Pesquisa associa o vício em smartphones a ansiedade, depressão, estresse e outros transtornos

Pesquisa da Ufla sobre vícios em smartphones - mulher sentada mexendo no celular
Foto de reprodução

Pesquisa da UFLA associa o vício em smartphones a transtornos mentais como ansiedade, depressão, estresse, distúrbios alimentares e insatisfação corporal.

Para compreender de que maneira o uso excessivo de celulares pode impactar nossa vida, uma pesquisa realizada por estudantes da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Lavras (FCS/UFLA) associou o vício em smartphones a transtornos mentais, como ansiedade, depressão, estresse, distúrbios alimentares e insatisfação corporal.

Foram avaliados 781 estudantes universitários, sendo 410 homens e 371 mulheres, de graduação ou pós-graduação, de faculdades públicas ou particulares de todo o Brasil, com faixa etária entre 18 e 65 anos, no caso de homens, e 18 e 75 anos, no caso de mulheres.

Os dados foram coletados em 2023 por meio de um formulário online, e a análise estatística, usando os softwares SPSS 28.0 e Past4 (PMC), foi realizada em 2024. O artigo intitulado “Smartphone dependence predicts poorer mental health outcomes, eating behaviors, activity levels, and body image: A cluster analysis of Brazilian university students”, em tradução livre “Dependência de smartphones prevê piores resultados em saúde mental, comportamentos alimentares, níveis de atividade e imagem corporal: uma análise de cluster de universitários brasileiros“, foi publicado na revista científica “Trends in Psychiatry and Psychotherapy”. 

O coordenador da pesquisa, professor Eric Francelino Andrade, explica que havia na literatura internacional hipóteses de que o uso de smartphones poderia influenciar alguns desfechos de saúde mental, como ansiedade e depressão, mas não havia muitas informações que faziam essa associação à população brasileira. Com isso, os pesquisadores analisaram os estudos realizados em outros países e os replicaram no Brasil.

A equipe de pesquisa foi composta pelos professores da UFLA Eric Francelino Andrade, Luciano José Pereira, Débora Ribeiro Orlando, além de Paula Midori Castelo, da Unifesp. Também fizeram parte do estudo a pós-graduanda em Ciências da Saúde da UFLA Karen Rodrigues Lima e a graduanda em medicina Bárbara Isabela Amorim.

O pesquisador chama atenção para o fato de os transtornos mentais serem multifatoriais, ou seja, não ser possível apenas afirmar que a pessoa está ansiosa porque usa o smartphone excessivamente. Porém, os resultados analisados mostram que houve associação entre ter vício em smartphone e apresentar pontuações elevadas de depressão, ansiedade e estresse.

As ferramentas utilizadas para identificar desfechos de saúde mental não são de diagnóstico clínico; porém, são usadas para pesquisa e podem indicar um desfecho clínico. Por isso, o estudo realizado passou por várias coletas de dados e análises estatísticas que comprovam essa relação. “Há todo um processo que foi realizado antes da coleta de dados, pois esses questionários foram previamente validados para confirmar a eficácia. Apesar de serem questionários que foram elaborados em outros países, foi realizada a validação no Brasil por outros pesquisadores”, enfatiza Eric.

Para que os participantes pudessem ter acesso aos outros questionários da pesquisa, eles responderam a informações iniciais relacionadas à situação socioeconômica, idade, sexo, estado civil (do participante e dos pais), grau de escolaridade (do participante e dos pais), estado de residência, prática de exercício físico e investigações diagnósticas sobre ansiedade, depressão e medicamentos de tratamento. Além disso, dados antropométricos de peso e altura foram autorrelatados. 

Após a coleta de dados iniciais e a aceitação dos estudantes universitários em participar da entrevista, eles responderam a mais quatro questionários:

Avaliação da satisfação corporal

Para avaliar a satisfação corporal, os participantes eram convidados a responder, mediante uma imagem ilustrativa da Escala de Silhueta, qual dos corpos consideravam semelhante ao seu. A escala continha representações de corpos, nas quais 1 representava magreza extrema e 9, obesidade severa. Nas representações, havia corpos de mulheres e de homens. Posteriormente, os participantes deveriam responder, utilizando a mesma escala, com qual dos corpos gostariam que o seu fosse parecido.

Avaliação do comportamento alimentar

Para avaliar o comportamento alimentar, os participantes respondiam ao Teste de Atitudes Alimentares (Eating Attitude Test – EAT-40), questionário para avaliar amostras de populações com mais risco de transtornos alimentares. Quanto maior a pontuação, maior o comportamento disfuncional quanto à alimentação.

Avaliação da dependência de smartphone

A terceira parte do questionário continha o Inventário de Dependência de Smartphones (SPAI-BR), adaptado para a população brasileira. O questionário aborda sintomas de abstinência, tempo de uso maior do que o previsto e interferências nas atividades diárias.

Avaliação do estresse, ansiedade e depressão

O último questionário presente no formulário foi o Escalas de Depressão, Ansiedade e Estresse (Depression, Anxiety and Stress Scales – DASS-21), com 21 itens que possuem a finalidade de medir a gravidade de sintomas comuns à depressão e ansiedade. 

Dados coletados

A professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Paula Midori Castelo foi a responsável por realizar as análises estatísticas dos dados coletados. Para isso, ela aplicou a chamada análise de agrupamentos (cluster K-means), considerada muito útil para o entendimento da natureza complexa de relação multivariada.

A aplicação desse método permitiu identificar perfis de participantes com variáveis semelhantes relacionadas aos aspectos autorrelatados de vício em smartphones, distúrbios alimentares, ansiedade, depressão e estresse, além da prática de exercícios físicos e Índice de Massa Corporal (IMC). As amostras foram separadas em três grupos, chamados de clusters.

A partir da análise, foi observado que o agrupamento 1 foi composto por participantes que obtiveram uma maior pontuação no questionário de avaliação da dependência de smartphone e, ao mesmo tempo, também houve uma maior diferença da imagem, ou seja, a imagem que eles desejavam ter estava mais longe da que eles enxergavam, indicando uma insatisfação com a imagem corporal.

Nesse mesmo grupo, estavam as maiores pontuações de transtorno alimentar e maior pontuação no questionário DASS-21, indicando níveis mais elevados de ansiedade, estresse e depressão. Diante disso, foi possível identificar que os participantes que apresentaram maior vício em smartphone também estavam acompanhados desses outros desfechos.

Uma coisa pode predispor a outra; às vezes, a pessoa ser ansiosa pode fazer com que ela mexa mais no celular, fique mais dependente, ou mexer mais no celular pode causar esse desfecho de saúde mental. A conclusão da pesquisa é que existe uma associação entre o vício em smartphones, insatisfação com a imagem corporal, maior ansiedade, maior estresse e maior índice de depressão. Outro dado apresentado é que, nesse mesmo grupo, o nível de atividade física relatado era menor, ou seja, esses indivíduos não eram ativos, sendo mais uma vez o vício em smartphones não associado a eventos positivos”, explica o pesquisador Erci. 

O agrupamento 2 apresentava uma maior faixa etária, com uma média de 43 anos, e menor vício em smartphones. Ou seja, dentro do grupo, os que eram mais velhos tinham menor dependência de smartphones e menores escores de ansiedade, depressão e estresse.  

O agrupamento 3 apresentou menos distúrbios alimentares. O perfil era de estudantes mais jovens, também com menor diferença na escala de silhueta, menor insatisfação com a imagem e nível mais baixo de transtorno alimentar e com escores intermediários de vício em smartphone.

Os dois primeiros agrupamentos são os mais marcantes, pois neles há uma relação direta com o vício ou não em smartphones. Os resultados indicam que os estudantes que têm maior nível de vício em smartphones são os mesmos estudantes que apresentam maiores níveis de ansiedade, estresse, depressão e insatisfação corporal”, destaca Eric Francelino. 

É preciso ficar atento!

Esse tipo de trabalho é observacional, não há intervenção. O intuito é apresentar que existe um problema e que é preciso criar estratégias para mitigar as questões que foram apresentadas pelo estudo. “É preciso ficar atento quanto ao uso excessivo dos smartphones, pois os prejuízos que podem trazer ao indivíduo são muitos. É importante que o uso dos celulares e a exposição às telas sejam controlados, até mesmo o acesso a determinados conteúdos de internet que impõem determinado padrão de comportamento humano. Essa intervenção é para limitar ou tentar, de alguma forma, evitar esse desfecho”, alerta o professor Eric Francelino.

Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – Fapemig.

Fonte: Portal da Ciência UFLAEscrito por Greicielle Santos